Inaugurada em 1926, a antiga estação ferroviária de Juazeiro do Norte foi restaurada, dando lugar ao Centro Cultural Daniel Walker, inaugurado na última quarta-feira (08). O novo equipamento tem salão de exposição, área de memória institucional e espaço que abriga um restaurante. A expectativa é que as antigas plataformas também sejam ocupadas por feiras de produtos agroecológicos e artesanais. O funcionamento será de segunda a sexta-feira, das 8h às 19h.
A escolha de tornar a antiga estação em um equipamento cultural se assemelha aos outros municípios do Cariri. Das seis entregues no início do último século, apenas a de Barbalha teve um destino diferente: se tornou um terminal rodoviário do Município para ônibus intermunicipais e interestaduais. Por outro lado, uma delas está fechada, a que fica no distrito de Ingazeiras, em Aurora.
História
A região do Cariri foi a última a receber a estrada de ferro do Baturité, no início do século XX. O trem só chegou graças ao desejo de integração e progresso. O plano inicial, ainda no Império, era que a ferrovia, que terminou em Crato, chegasse até Petrolina, Pernambuco, e de lá fosse ligado ao sistema hidroviário pelo Rio São Francisco, sendo incorporado às ferrovias que ligam à Bahia, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Em 1882, era discutida na Câmara Federal se a estrada continuaria de Baturité até o Cariri ou se criaria de Aracati até Icó e depois ligar ao Sul do Estado. Muitos deputados se dividiram, mas a primeira opção venceu. Alguns dos parlamentares diziam que a vinda da ferrovia era uma forma de integrar a região ao Ceará, já que o Sul do Estado sempre teve forte influência de Pernambuco.
A historiadora Isabel Cortez acredita que houve uma motivação econômica fruto das disputas das províncias. Por exemplo, muito da produção local ia para o Rio Grande do Norte. “Não é simplesmente ‘amarrar o Cariri ao Ceará’, mas que essa produção fosse garantida ao nosso estado”, coloca. Além disso, reconhece que a estrada de ferro fazia parte do projeto de integração do império, que temia que as províncias se tornassem independentes.
A principal motivação para a expansão da ferrovia, reforçada nos jornais do final do século XIX, seria ligar a produção agrícola ao porto. O Cariri chamava atenção por se tratar de uma das “ilhas verdes”, como Baturité. A produção, até então, era evidenciada pela cana-de-açúcar, ainda que pequena se comparada a outras partes do país. Com a seca de 1877, que levou muitos retirantes à capital cearense, o projeto agora se justificaria pelo sentido filantrópico. Um jornal de 1903, localizado pela pesquisadora, aponta que a estrada de ferro seria essa grande salvação.
Na década de 1910, as ferrovias já não possuíam o mesmo investimento e por um contexto da economia global: o Brasil já se afastava economicamente da Inglaterra e se aproximava dos Estados Unidos. O governo brasileiro aplicou seus recursos em estradas de rodagem. Mesmo assim, no dia 8 de novembro de 1926, a estação de Crato é inaugurada e, no dia seguinte, o mesmo acontece em Juazeiro do Norte. Inclusive, esta última não estava prevista no planejamento inicial. A cidade escolhida foi Barbalha, mas pelo prestígio político do Padre Cícero, seu município foi contemplado. A terra de Santo Antônio só teria um ramal em 1940.
Com a ferrovia em declínio, o transporte de passageiros foi encerrado na década de 1980 e de cargas, até o final da década de 1990. Madeira, gasolina e carvão são trazidos para o Cariri, enquanto a região ainda distribui muita cerâmica e gesso, produzidos no Crato e nas cidades vizinhas de Pernambuco, respectivamente. “O Crato não sofreu muito com o fim, porque vai ter uma ligação por várias rodovias que ainda garantem uma movimentação de pessoas e de sua economia”, aponta Isabel.
Cenário atual
Desde 2017, a Prefeitura de Juazeiro do Norte projetava a recuperação de sua antiga estação ferroviária, a partir de uma parceria público-privada. A ideia, a princípio, era que se tornasse um espaço de exposição permanente contando a história da estrada de ferro no Cariri e do Ceará.
O coordenador de Documentação e Memória do Município, Roberto Júnior, explica que a revisão foi necessária para eliminar, por exemplo, algum item que fosse danoso ao prédio, como o tipo de tinta. “Nós trocamos por uma tinta porosa com composição majoritariamente mineral, que permite que a parede respire e faça a troca de umidade, uma coisa importante para móveis antigos”, explica.
O piso estava em parte de cerâmica e outro em piso industrial. Por isso, foi feita uma prospecção que identificou que o prédio já havia recebido ladrilhos hidráulicos, adotados integralmente após a reforma. A ideia era trabalhar com a manutenção da originalidade estética do prédio e com a coerência de materiais, mesmo que adaptando ao cenário contemporâneo, como as exigências de acessibilidade.
“A construção do VLT já trouxe uma adequação que contemplou a plataforma da estação antiga. O que colocamos foi uma rampa de cadeirante no estacionamento que já existia, mas já havia as inclinações adequadas. O que mudamos foram os banheiros, que garantem a acessibilidade para for usá-los”, detalha Roberto.
Outros municípios
Em Crato, todo o Largo da antiga Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) é tombado pelo Iphan e batizado de Centro Cultural Araripe. Nos prédios, funciona um auditório, uma galeria de arte e a sede da Secretaria de Cultura. Segundo o secretário de Cultura do Município, Amadeu de Freitas, está aberta uma licitação para reforma. Especificamente no local da galeria, é aguardada uma análise por técnicos do Governo do Estado “para sua estruturação, com expositores, iluminação, climatização e forro”, explica o gestor.
Já em Barbalha, o prédio da antiga estação, que começou a ser construída em 1932 e concluída em 1940, hoje é utilizado como o terminal rodoviário do Município para ônibus intermunicipais e interestaduais. Ele recebe um grande fluxo de pessoas diariamente, com comércio ambulante frequente no local. O edifício é tombado por lei municipal e pertence à Prefeitura. Tanto a praça, que fica em frente, quanto a estação, recebem o nome Engenheiro Dória, seu construtor.
Enquanto em Missão Velha, a estação era ociosa até 2011, quando foi reaberta para funcionar a sede da Secretaria de Cultura e uma biblioteca. O espaço é chamado de Estação da Cultura Poeta Biu Pereira. Outro município do Cariri que possui estação em sua sede é Aurora, que desde 2009 abriga a biblioteca pública e, no segundo anexo, a Escola da Música Esmerindo Cabrinha. No local, as crianças recebem aulas em dois turnos.
Por outro lado, a cerca de 22 km da sede do Município, no distrito de Ingazeiras, está uma estação menor, construída em 1922, que continua de pé. Ela já foi descaracterizada para ser usada como posto de saúde, mas está atualmente sem nenhuma atividade. O prefeito de Aurora, Marcone Tavares, informou que os serviços de recuperação do prédio já foram licitados, que foram iniciados alguns pequenos serviços. “É um equipamento de muita relevância histórica”, reconheceu.