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17 de janeiro de 2025

A quem pertencem os mandatos de deputado? Casos na Alece levantam questões acerca do tema 

No Legislativo Cearense, processo de cassação da chapa do PL e o rompimento de deputados pedetistas com a sigla têm gerado discussões em relação aos mandatos
Foto: Beatriz Boblitz/Arquivo Opinião CE

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A 31ª Legislatura da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), de 2023 a 2027, iniciou a sua segunda Sessão Legislativa em 2024. O primeiro ano foi movimentado e já contou com duas desfiliações partidárias, além do início de briga judicial por mais mudanças de sigla. Os mandatos proporcionais (deputados federais, estaduais e vereadores), conforme a Justiça Eleitoral, pertencem aos partidos. No entanto, parlamentares já se posicionaram de forma contrária ao que defende a legislação. Dois conflitos que se iniciaram em 2023 trouxeram a discussão à tona: a cassação da chapa do PL e o rompimento de deputados pedetistas com a sigla.

“MANDATO DO ELEITO”: CASSAÇÃO DA CHAPA DO PL

Em março de 2023, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará (TRE-CE) votou pela cassação da chapa do PL na Alece. Por quatro votos a três, o pleno entendeu pela perda dos mandatos dos deputados Carmelo Neto, Dra. Silvana, Alcides Fernandes e Marta Gonçalves. O motivo seria pela legenda ter cometido fraude à cota de gênero, que estabelece que cada sigla deve ter 30% das suas candidaturas ao pleito composta por mulheres. O partido chegou a entrar com recurso contra o entendimento da Justiça, mas, em janeiro deste ano, o TRE-CE votou pelos últimos embargos apresentados pela sigla, mantendo a cassação. O PL Ceará, conforme o seu presidente, Carmelo Neto – que pode ter o mandato na Assembleia cassado -, vai recorrer à instância superior, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Recentemente, em evento no município de Caucaia, Silvana – líder do partido no Legislativo estadual – afirmou que a Justiça não poderia cassar pessoas inocentes. Ela lembrou ainda que, com a cassação, duas mulheres seriam afastadas de seus trabalhos no Legislativo: ela e sua correligionária Marta Gonçalves. Conforme o cientista político Emanuel Freitas da Silva, professor adjunto de Teoria Política da Universidade Estadual do Ceará (UECE), no entanto, a Justiça estaria certa em cassar a chapa. “Quem administra a cota e as candidaturas é o partido. Então qualquer problema nesse sentido tem que ser cobrado do partido mesmo”, disse.

“Ela está fazendo o jogo dela, obviamente. Está fazendo o seu discurso. Mas eu acho pouco sustentável, porque a Justiça Eleitoral está julgando o procedimento partidário; se houve a fraude, a fraude foi partidária”, completou.

Ainda de acordo com Emanuel, o Brasil tem uma “fraca identificação partidária”. “O partido que tem a maior penetração na população é o PT e, agora, o PL com o Bolsonarismo, sendo um partido de direita conservador. Então, para a própria identidade partidária do brasileiro, essas questões de ‘a quem pertence o partido’ ficam pouco claras. Isso é, inclusive, prejudicado pelo personalismo, já que os parlamentares e a população entendem os mandatos como pertencentes aos sujeitos e não ao partido”, afirmou. “Então, você tem a legislação que diz uma coisa para fortalecer o quadro partidário, mas você tem a cultura política brasileira que é mais personalista”, acrescentou.

A colocação de Silvana, de certa forma, tenta distanciar a ideia de que o mandato pertence ao partido. O OPINIÃO CE entrou em contato com Rodrigo Martiniano, especialista em direito eleitoral pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Conforme o profissional de direito, há um entendimento “bem consolidado” tanto na Justiça Eleitoral como no Supremo Tribunal Federal (STF), de que o mandato pertence ao partido ou à federação. A decisão do Supremo, por oito votos a três, em 2007, é de que o mandato pertence ao partido. Com isso, o parlamentar que trocar de legenda pode responder a processo por perda de sua candidatura no TSE.

“MANDATO DO PARTIDO”: IMBRÓGLIO JURÍDICO NO PDT

No entanto, há situações em que tal ação é permitida. Como explicou Martiniano, a Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/95), estabelece hipóteses em que o parlamentar não perderia o seu mandato, já que seria uma “justa causa” para que se desfilie. Conforme o Artigo 22-A da Lei, três situações explicariam tais justa causas:

  • Possibilidade de mudança substancial do programa do partido;
  • Grave discriminação política pessoal;
  • Janela partidária, no período de 30 dias antes dos seis meses que antecedem a eleição do cargo que ocupa.

O último ponto, aliás, permitirá que os vereadores troquem de partido neste mês de abril de 2024. Não presente no texto, a entrega de uma carta de anuência também é considerada uma “justa causa” para mudar de partido, segundo Martiniano.

O presidente da Assembleia, Evandro Leitão (PT), se desfiliou do PDT sob acusação de discriminação política pessoal. Em processo impetrado no TRE-CE, o parlamentar afirmou que não recebeu recursos financeiros do partido durante sua campanha eleitoral. O atual pré-candidato à Prefeitura de Fortaleza foi vencedor na Justiça, podendo se desfiliar de sua antiga sigla. O partido, no entanto, não aceitou a decisão, e inclusive já entrou com outra ação no TRE-CE, desta vez, pedindo o mandato de Leitão. Como estabelece a Legislação, no entanto, o fato da Justiça ter entendido de forma favorável à ação de Evandro por discriminação política pessoal anularia a possibilidade do PDT pedir o mandato do deputado.

Segundo Emanuel, a ida de Evandro para o PT não foi por identificação partidária, já que não houve uma divergência ideológica clara para ter ocasionado na mudança de sigla do presidente do Legislativo. O cientista político afirmou que a chegada do deputado no Partido dos Trabalhadores foi “única e exclusivamente para disputar a Prefeitura“. Conforme ele, ainda, tal ação pode ser algo que seja explorado pelos adversários. “Principalmente porque a entrada dele significaria, imediatamente, a defenestração da Luizianne, que é a candidata natural, é do partido desde a origem, tem a marca do PT e é a cara do PT Fortaleza”, disse.

Em relação ao PDT, inclusive, outro ponto tem saltado aos olhos do leitor acerca da discussão de “a quem pertence o mandato”. Além do presidente da Alece, outros 14 deputados – entre titulares e suplentes – tentam deixar a legenda. A acusação dos parlamentares se firma em dois pontos: discriminação política pessoal e mudança substancial do programa partidário.

“Perseguição implacável, gestão autocrática e egoísta focada em interesses pessoais, oscilando entre arbitrariedades e evidentes atentados à democracia ao não aceitar decisões judiciais que estão em pleno vigor”, diz o texto da ação.

O imbróglio jurídico entre o PDT e parte de seus filiados já vem se estendendo desde 2023. Os deputados receberam carta de anuência do então presidente do Diretório Estadual pedetista no Ceará, senador Cid Gomes (hoje, no PSB). O Diretório Nacional, à época, questionava as cartas e afirmava que elas não valiam. Recentemente, ao retomar a Executiva Estadual, o grupo político de oposição a tais parlamentares no PDT anulou as anuências.

De acordo com Emanuel, a tentativa dos pedetistas de mudarem de sigla tem mais a ver com a quem os parlamentares pretendem apoiar a possíveis divergências programáticas que possam ter com o PDT. “Eles precisam elencar razões para sair do partido e não perderam o mandato, porque as condições legais não estavam dadas nisso, eram divergentes, mas não eram divergências programáticas, eram divergências acerca de qual lado seguir“. Nas Eleições de 2022, o partido foi rompido por ter lançado o ex-prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, como o candidato ao Governo do Estado. Parte dos pedetistas, sob liderança de Cid, se posicionaram de forma contrária à decisão, e, agora, tentam deixar a legenda.

CLÁUSULA DA BARREIRA

Ainda segundo Martiniano, no entanto, outro ponto pode referendar a mudança de partido entre parlamentares, situação essa, inclusive, que conta com um exemplo recente. O deputado estadual Lucinildo Frota (ex-PMN, agora no PDT) se desfiliou de seu antigo partido neste mês de janeiro. O parlamentar não apresentou nenhum dos motivos supracitados. O profissional de direito explicou o porquê da Justiça aprovar a desfiliação. “A constituição fala que, quando o partido político não preenche a cláusula de barreira, os eventuais eleitos podem mudar de partido”.

A Emenda Constitucional Nº 97/2017 estabelece os critérios para o partido poder pedir o mandato do parlamentar que trocar de legenda. Conforme o texto, para ser permitido que a legenda solicite o mandato do eleito que se filie a outra agremiação, ela precisa alcançar a cláusula de desempenho, por meio de dois possíveis pontos:

  • Obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 3% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos nove Unidades da Federação, com um mínimo de 2% dos votos válidos em cada uma delas;
  • Tiverem elegido pelo menos quinze deputados federais distribuídos em pelo menos um terço das unidades da Federação.

Com isso, o deputado e pré-candidato a Maracanaú, Lucinildo Frota, deixou sua antiga agremiação e se filiou ao PDT. A ida do parlamentar à legenda, inclusive, não foi a única mudança, já que com a decisão, ele passou de compor a base governista de Elmano de Freitas (PT) para a oposição ao chefe do Executivo estadual.

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