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15 de outubro de 2024

“A cultura no Brasil sempre foi de resistência”

Vocalista da Banda Eddie, Fábio Trummer critica a atual gestão federal e fala sobre o que quer para o Brasil.
Foto: Reprodução/Redes Sociais

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A banda Eddie surgiu em Olinda, em Pernambuco, há mais de 30 anos, com o álbum “Sonic Mambo.” Nas cerca de três décadas, o grupo se consolidou como um dos principais do cenário chamado alternativo e possui uma identidade sonora própria. A banda conta com nove discos lançados e tem, sempre, um set list carnavalesco, com clássicos do frevo e adaptações de bolero para o folião dançar.

Em entrevista por telefone ao OPINIÃO CE, um dia antes do show que os músicos realizaram no último sábado (25) em Fortaleza, o vocalista da Banda Eddie, Fábio Trummer, destacou alguns princípios da banda, o que o fez ser artista e quais as motivações ainda o mantém no meio. O artista falou também sobre cultura e pandemia, momento político e o que quer para o Brasil dos próximos anos.

OPINIÃO CE – Qual era o intuito de vocês ao criar a banda e o de continuar repercutindo após todos esses anos?

FÁBIO TRUMMER – Somos uma banda de Olinda, em Pernambuco. E a gente começou em 1989, somos uma banda bem antiga. Fizemos essa geração do Mangue Beach, de Chico Science, Otto, Cordel do Fogo Encantado, Nação Zumbi, Mundo Livre, Mestre Ambrósio. É uma geração de muita gente e de alguma maneira isso nos possibilitou criar uma cena onde a realidade do trabalho tradicional com a música autoral se tornou possível. E a gente entendeu isso logo cedo e apostou numa carreira profissional na música. Lembro que na época eu pensava que, se a gente não tentasse, a gente nunca saberia se conseguiria. E, hoje, trinta e poucos anos depois, a gente está aqui fazendo música e vivendo profissionalmente dela. Eu acho que foi essa crença e também essa nossa cena musical e nossa cena cultural, que fizeram com que a gente ainda estivesse aqui até hoje, fazendo, gravando e tocando Brasil e mundo afora.

OPINIÃO CE – Como a banda está depois desses dois anos de pandemia?

FÁBIO TRUMMER – Eu por ter, há muitos anos, esse trabalho informal, me preparo. Sempre guardei uma grana, porque entendi que a carreira do músico e de qualquer profissional que não recebe mensalmente precisa ter esse cuidado. E boa parte da banda também pensa assim. E o que aconteceu também nos ajudou a sair da zona de conforto e buscar novos meios de subsistência com a música, que não só a banda, tocar e subir no palco. Foram lives com celular, com o pix na tela. Outros fizeram trilhas para publicidade, cinema… Eu consegui, nesse meio tempo, produzir um álbum de um artista pernambucano, mas que está radicado em Brasília, que se chama Edelito, um álbum de samba.

O trabalho não para. E parte do público também foi muito consciente e quiseram ajudar. Sabia que a banda estava parada. O direito autoral também continuou chegando. Foi diminuindo, na verdade, nos últimos oito meses e foi caindo um pouco. Mas de certa forma o músico tem várias formas de arrecadação e a pandemia nos ensinou a criar mais formas.

OPINIÃO CE – No cenário geral da cultura, como é que você percebe a pandemia?

FÁBIO TRUMMER – Na minha experiência com a banda, a gente parece que voltou com mais vontade, um pouco mais maduros. Quando a gente voltou a tocar juntos, a gente sentia que, de alguma forma, a música estava mais resolvida, mais redonda, mais madura… Eu não sei exatamente o porquê. Talvez tenha sido por parar esse tempo, logicamente, mesmo sem querer. Eu acho que aconteceu isso no geral e para a cultura. Foi um divisor de águas entre quem faz música ou quem pinta e tem outros trabalhos, e de quem realmente só trabalha com isso, que o foco da vida é isso. Acho que foi muito positivo para a cultura porque cultura é reflexão. Cultura é pensamento e cultura é introspecção.

E esse tempo nos deu esse elemento da produção artística, que é tempo para pensar. Não ter aquele relógio social contando as horas para você.

Foto: Reprodução/Redes Sociais

“A cultura no Brasil sempre foi de resistência. A cultura geralmente vem da periferia, e a periferia no Brasil sempre foi atacada. Quando não por bala e soldados, é atacada por discurso e por falta de investimento, pela negação da iniciativa privada a ajudar a cultura”.

OPINIÃO CE – Vocês permaneceram em São Paulo, a banda foi dividida ou foi todo mundo pra Olinda?

FÁBIO TRUMMER – Eu tinha voltado para Olinda, depois de quinze anos em São Paulo, um pouco menos de um ano antes da pandemia, e a banda já morava por lá e continua lá. Eu agora estou em Brasília, e eles estão lá. Só depois de um ano e meio de pandemia, mais ou menos, é que a gente voltou para o estúdio, para terminar o disco “Atiça.” A gente gravou cinco músicas e terminou antes da pandemia, lançando em janeiro. Em março, começou a pandemia. Depois, a gente lançou o “Lado B”, que gravamos durante a pandemia. Esse processo também foi uma escola muito boa e nos ensinou a dar soluções novas para o trabalho.

OPINIÃO CE – Nesse período, a banda recebeu ajuda financeira ou teve que lidar apenas com o que já tinha?

FÁBIO TRUMMER – Eu lidei apenas com o que tinha, e parte do Eddie foi atrás dessas leis de incentivo. No meu caso, eu recebo uma quantia de direito autoral que excede a minha cota para poder receber a ajuda de incentivo. A gente teve uma live que mais gastou do que ganhou e agora neste ano eu tive outro projeto que também gastei mais do que ganhei. Na verdade, ajudou muita gente. Não era muita grana. Quando você fazia a produção, praticamente não sobrava. Mas ajudou gente a pagar contas. No meu caso, quando eu comecei a fazer o projeto, eu vi que não dava porque era muito pouco pra o que a lei se propunha, e eu preferi botar uma produção na rua, já que não estava precisando porque tinha esse direito autoral e consegui trabalhar em estúdio produzindo, tocando e gerar um produto novo […] A gente voltar com a banda pernambucana a tocar em Fortaleza, uma banda cearense voltar a tocar em São Paulo, essa troca de sotaques culturais é muito importante para nossa formação.

Se a gente pensa em ser um país autônomo, a gente passa por nossa identidade e nossa identidade é a nossa cultura, essa diversidade enorme que existe no país e super necessária. Eu estou vendo que fui, na verdade, bem otimista com tudo isso que aconteceu, apesar do Brasil estar como está e a cultura ser atacada diariamente por um plano de governo que não tem cultura. A principal vocação do país é a cultura e essa pandemia, apesar de todos os ataques à cultura, tem um saldo positivo por conta de todas essas reflexões e discussões em torno dela.

OPINIÃO CE – Qual a sua visão sobre como é se manter dentro da cultura neste momento político

FÁBIO TRUMMER – A cultura no Brasil sempre foi de resistência. A cultura geralmente vem da periferia, e a periferia no Brasil sempre foi atacada. Quando não por bala e soldados, é atacada por discurso e por falta de investimento, pela negação da iniciativa privada a ajudar a cultura. A cultura no Brasil sempre teve esse papel, não é de agora. E, com esse governo, eu acho que só vai fortalecê-la mais, porque a criatividade vem da diversidade. Está sendo difícil ultrapassar essa tormenta que tem sido esse governo, mas estamos tocando para sermos agente sociais mais eficazes, a tocar em temas relevantes para discussão no parâmetro nacional de todas as áreas e pessoas. Na minha vida, a adversidade sempre foi um motor para se fazer cultura e, num momento de maior libertação, como agora, o motor está gerando em alta e essa resposta já está vindo. Você sente uma união nacional.

OPINIÃO CE – O que você espera para a cultura no desfecho eleitoral deste ano?

FÁBIO TRUMMER – A cultura é movimentada por essas coisas. Está todo mundo louco para ir tocar, mostrar sua arte, se expressar, porque o momento exige isso. Então, eu espero um engajamento cada vez maior, não só dos artistas, mas também da sociedade civil. Em prol da gente poder ter uma cultura genuína, de poder ter investimento em educação real, de se proteger contra o crime organizado, que não é só na Amazônia, com a pesca e o garimpo, o crime organizado está na indústria fonográfica, dentro das rádios, está nessa produtoras que superfaturam dinheiro e que depois devolvem dinheiro ao prefeito que pagou superfaturado.

Essas quadrilhas organizadas estão mamando no erário público. As pessoas estão pensando nos crimes da Petrobras, que ocorreram há uma década atrás, e não focam no que mudou, para onde migraram as quadrilhas organizadas no crime do erário público. Eu acho que a gente precisa do engajamento, a gente precisa realmente estar fazendo do uso político não partidário, mas o uso político social. Porque os governos passam, mas o estado continua. E, quando falo isso, estou defendendo o estado, não estou indo a favor de um candidato ou de outro candidato, ou de um opositor ao atual regime. O atual gestor é muito mau gestor, acima de tudo. Apesar de todos os abusos e de alguns sensacionalismo em torno da política no país, acima de tudo, ele é um péssimo gestor.

A gente está pensando numa eleição agora, mas a gente tem que pensar é numa sequência de décadas. O desenvolvimento não é feito com uma gestão de quatro anos, desenvolvimento é feito a partir da mudança de pensamento, e devagar e sempre, por décadas.

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